segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Os limites do corpo

Correr longas distâncias sem acelerar demais o pique faz bem. Apesar de existirem evidências de que maratonas estressam o coração, nada leva a crer que elas colocam em risco a vida de pessoas saudávei

Correr longas distâncias sem acelerar demais o pique faz bem


Por Carlos Amoedo

Os tendões podem inflamar e a dor nos joelhos fará você questionar a corrida que pratica quase que diariamente. Se a coluna também reclamar, você vai querer correr menos.  Pesquisa recente feita no Brasil com corredores amadores revelou que 20% dos homens e o mesmo percentual das mulheres já sofreram tendinite (inflamação dos tendões, extremidades que unem os músculos aos ossos) nos joelhos. Mais: 17% dos corredores e 13% das corredoras reclamaram de dor na coluna.
Até aí, nada muito alarmante ou capaz de fazer com que você aposente o seu de tênis de última geração com efeito amortecedor e deixe de correr de uma vez por todas.  Mas quando estudos realizados nos últimos cinco anos nos EUA apontaram que entre quatro e oito maratonistas em um grupo de 1 milhão sofreram parada cardíaca e morreram é impossível não questionar os limites de seu corpo para suportar corridas longas. "Nem todas as pessoas podem correr maratonas. Trata-se de uma atividade para poucos", avisa o doutor Patrick Goh, fisiologista do exercício do centro médico do hospital Gleneagles, em Singapura, colocando mais lenha na fogueira.
Outro médico, Teh Chuan, do departamento de medicina esportiva do hospital Alexandra, também em Singapura, tem opinião parecida: o corpo humano não foi feito para enfrentar corridas longas, como é o caso de uma maratona, cujo percurso é de 42,195 k. Segundo ele, cedo ou tarde a maioria das pessoas apresentará algum tipo de problema ao insistir nesse tipo de prova. Os danos vão de simples tendinites até a falência das células cardíacas que, em outras palavras, significa morte certa.
 Em 2006, pelo menos seis pessoas morreram do coração fazendo maratonas nos Estados Unidos.  E estudos conduzidos por médicos da Universidade de Harvard, com participantes da maratona de Boston, levantaram evidências de que as corridas de longa distância estressam o coração. Os pesquisadores encontraram na membrana das células cardíacas dos maratonistas estudados uma quantidade elevada de um complexo de três proteínas conhecido como troponina, produzido quando o coração está fadigado ou há deficiência de energia.
É certo que um número cada vez maior de corredores em todo o mundo participam de maratonas, conseguindo completar o percurso exigido. Para se ter uma ideia, em 2005, cerca de 380 000 corredores cruzaram a linha de chegada em Boston.  Cinco anos antes, 300 000 maratonistas haviam completado o percurso da prova. Em quase meia década de maratonas, o número de pessoas que desafiou e venceu a distância de pouco mais de 42 k subiu para 80 000.
 É de se esperar, portanto, que os casos de lesões, entre outros problemas decorrentes da corrida, acompanhem o crescimento do número de adeptos da maratona. Mas o argumento não alivia a sensação de perigo e tampouco cala a pergunta: podemos, de fato, correr cada vez mais sem cair duro?

Devagar para correr sempre
Não há dúvidas de que correr faz bem. Existem, em todo o mundo, milhares de estudos que apontam os benefícios do esporte. Aos adeptos das maratonas, há muito mais vantagens do que prejuízos, garante a maioria dos especialistas. Correr ajuda a combater a gordura que conspira contra os órgãos vitais do corpo, controla os níveis de colesterol e fortalece o coração. A análise de eletrocardiogramas de corredores com mais de 70 anos não deixa dúvidas: o músculo cardíaco dessa turma está mais forte do que de muitos quarentões que não fazem da corrida um hábito diário. Sem contar a aparência mais jovial e a disposição sem fim daqueles corredores que já engrossam as fileiras de idosos.
O problema, portanto, não é definir se correr faz bem para a saúde, mas descobrir quanto e como correr de modo a colher apenas os benefícios da atividade. Segundo André Vazquez, treinador e maratonista com  cerca de 50 provas completadas ao longo de sua carreira, correr longas distâncias não prejudica a saúde. As complicações acontecem quando os percursos como os de uma maratona são feitos em alta velocidade. "O corpo humano, quando saudável, consegue, sim, para suportar grandes distâncias. E, nesse sentido, o percurso de uma maratona pode até ser considerado curto. A questão é saber se todos estão preparados para completar uma competição dessas com tempos próximos aos dos grandes maratonistas, ou seja, em pouco mais de duas horas", diz ele.  O ideal, segundo Vazquez,  é manter um ritmo entre 7 k e 12 k por hora. "Isso significa correr cada quilômetro entre cinco e oito minutos", completa Guilherme Arnone, professor de musculação e maratonista de São Paulo.
Nessa velocidade, garantem os dois atletas, é possível disputar várias provas de longa distância sem correr o risco de o organismo envelhecer precocemente em função da produção de radicais livres ou de desgastar as articulações,  principalmente as dos joelhos. "Na maioria dos casos, os grandes maratonistas, campeões do esporte, acabam se aposentando antes dos 40 anos", diz Vazquez. "A velocidade com que percorreram as provas das quais participaram gerou, ao longo de suas vidas, uma quantidade absurda de radicais livres, devido ao altíssimo consumo de oxigênio necessário para produzir a energia que o corpo desses atletas necessitava."
Radicais livres são moléculas adulteradas geradas pelo próprio organismo nos processos de produção de energia nos quais o oxigênio é uma das principais matérias-primas. As moléculas acabam alterando o bom funcionamento das células, envelhecendo e enfraquecendo os órgãos.

O benefício da distância
Malissa Wood, médica e diretora do centro de saúde do coração de mulheres do Hospital Geral de Massachusetts e professora da Escola de Medicina de Harvard, nos EUA, acredita que as pessoas que apresentaram sinais de fadiga no coração após as maratonas não estavam devidamente treinadas para uma prova de longa distância. Como uma das responsáveis pelos estudos feitos com os corredores que participaram da maratona de Boston, publicados na revista da Associação Americana do Coração, Malissa saiu em defesa das provas de longa distância. Segundo a médica e pesquisadora, o fato de o coração apresentar sinais de estresse não significa que ele esteja em apuros. "Novos estudos feitos com os corredores que apresentaram sinais de desgaste em suas células cardíacas mostraram que os corações saudáveis conseguem contornar o estresse de modo a que os danos não sejam permanentes", explica ela.
Os estudos posteriores com os participantes da maratona de Boston mostraram, ainda, o que parece ser mais importante para a defesa das corridas de longa distância: esses danos, associados ao aumento dos níveis de troponina, eram maiores nos corredores que percorreram cerca de 56 ou menos quilômetros por semana no período de preparação para a prova. Aqueles atletas que correram 90 ou mais quilômetros nas semanas que antecederam a maratona apresentaram muito menos sinais de estresse cardíaco.
Os dados mostram que corações saudáveis e treinados para suportar o esforço de provas longas como a maratona não correm risco de morte. Malissa, que tem 46 anos e é mãe de quatro crianças, costuma correr, até hoje, cerca de  64 k por semana. Ela espera continuar correndo até completar, no mínimo, 75 anos. Afinal, a médica não tem dúvidas de que correr com segurança é o melhor exercício que existe para o coração e para a saúde.
Mas não se engane: corredores veteranos devem manter um programa consistente de treinamentos caso queiram continuar participando de maratonas. Já os novos corredores, os que estão retornando às atividades depois de um período de descanso (ou não correm regularmente), aqueles que estão acima do peso, têm de pressão alta ou diabetes jamais deveriam arriscar-se em longas corridas sem passar por um médico e se submeter a uma série de exames periódicos. Isso, segunda a doutora Malissa, pode fazer toda a diferença e decidir quem sobrevive a várias maratonas.

Desafio sem limites
Correndo se vai cada vez mais longe. Comparada às ultramaratonas, que ganham cada vez mais adeptos em todo mundo, as maratonas podem ser consideradas corridas de amadores. Entende-se por ultramaratona toda prova com distância superior a da maratona, ou seja, mais de 42 195 m. O percurso das ultramaratonas costuma variar entre 50 e incríveis 2 000 k. Assim como na maratona, o objetivo é percorrer essas distâncias no menor espaço de tempo. Mas existem as provas pautadas no tempo e que podem durar entre 6 horas e 10 dias. Nesse caso, os atletas dispõem de um tempo pré-determinado para percorrer a maior distância possível.
Assim como as maratonas, as ultramaratonas buscaram inspiração na Grécia Antiga, quando era comum os mensageiros percorrerem até 500 k para trazer ou levar notícias. "Qualquer pessoa saudável, que não tenha problemas de obesidade, por exemplo, pode se preparar e correr uma maratona. Se não houver preocupação com o tempo e a meta for apenas cruzar a linha de chegada, é possível dá para participar de uma maratona após seis meses de treinamento", diz o maratonista Vazquez. Esse também é o período de preparação para aqueles que desejam correr uma ultramaratona baseada no tempo. Agora, se a meta for participar de um prova  pautada na distância,
a preparação será feita de acordo com os quilômetros a serem percorridos. "Uma ultramaratona de 100 k, por exemplo, exige cerca de cinco anos de treinamento regular. E, de preferência, só deve ser enfrentada por aqueles que já passaram pela experiência de algumas maratonas", diz Vazquez.

Notícias de Harvard
Os estudos feitos nos Estados Unidos por profissionais de Harvard, como a doutora Malissa Wood, analisaram 60 maratonistas sem histórico de doenças do coração que participam da maratona de Boston em 2005 e 2006.
Por quatro meses, esses 41 corredores e 19 corredoras foram monitorados no período de treinamento.
Eles foram submetidos a exames de sangue e a eletrocardiogramas com o objetivo de mapear o desempenho de seus corações antes e depois da corrida.
O grupo correu várias vezes a distância de uma maratona com os tempos variando entre três e seis horas.
O resultado final dos exames mostrou sinais de estresse no coração desses atletas.
Mas nenhum deles apresentou qualquer evidência de falência das células cardíacas em decorrência da corrida.

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